A oposição já definiu qual a melhor estratégia para levar
adiante o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Tudo foi discutido de maneira intensa ontem (20.ago.2015),
enquanto o Palácio do Planalto, ministros governistas e muitos petistas e simpatizantes
comemoravam nas ruas a denúncia contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha
(PMDB-RJ), por causa da Lava Jato.
Em salas adjacentes à presidência da Câmara, deputados de
partidos oposicionistas decidiram ressuscitar uma estratégia pensada (e depois
quase esquecida) há cerca de 2 meses. Diante da conjuntura atual, o ideal será
voltar a recomendar a Eduardo Cunha que arquive os pedidos de impeachment que
estão sob sua análise.
Pode parecer contraintuitivo que a oposição esteja sugerindo
o arquivamento e ao mesmo tempo desejando o impeachment. Mas há uma lógica
cristalina por trás dessa estratégia. Funciona assim:
1) o poder de Eduardo Cunha: o presidente da Câmara (qualquer
um que ocupe o cargo) é quem recebe eventuais pedidos de impeachment contra o
presidente da República. Tem poder absoluto sobre o processo enquanto tudo está
em suas mãos. A decisão inicial é unipessoal.
Há 3 opções para o comandante da Câmara: a) “receber'' (na
acepção jurídica do termo) e mandar o processo de impeachment andar; b)
rejeitar o pedido e mandá-lo para o arquivo; c) não fazer nada, pois não existe
prazo legal que o obrigue a tomar uma decisão dentro de algum prazo definido.
Hoje, se Eduardo Cunha aceitar algum pedido de impeachment
contra Dilma poderia ser acusado (e vai ser) de estar retaliando contra o
Palácio do Planalto, a quem acusa de estar por trás da acusação da Lava Jato.
Se não fizer nada, Cunha será então acusado de capitular ao
poder do governo e de tentar fazer um acordão para se livrar da Lava Jato. Esse
seria o melhor dos mundos para o Planalto, que ontem (20.ago.2015) vendeu a
versão de uma iminente desidratação do peemedebista e consequente
enfraquecimento da tese do impeachment . Os “spin doctors'' palacianos fizeram
um eficaz trabalho de disseminação desse raciocínio para a mídia em geral
(títulos de reportagens hoje em veículos impressos: “Impeachment perde força
após a denúncia, avaliam ministros'', “Cunha tentará ‘incendiar’ a Câmara, mas
perderá credibilidade para tal'' e “Planalto vê impeachment mais fraco após
denúncia'').
Mas se optar pela terceira opção e arquivar os pedidos de
impeachment, Cunha estará dando um “nó tático'', como se diz no futebol, em
todos os que imaginaram saídas convencionais. Não poderá ser acusado de
perseguir Dilma Rousseff (afinal, arquivou os pedidos).
2) a rejeição é o caminho mais rápido: no mesmo dia em que a
rejeição de Cunha aos pedidos de impeachment se tornar pública (a oposição
deseja que isso se dê já na semana que vem), algum deputado anti-Dilma
apresentará um recurso contra o arquivamento. Esse recurso precisa ser
apresentado ao plenário da Câmara. Basta maioria simples para obter vitória.
A maioria simples se dá quando metade dos 513 deputados já
registraram presença. Ou seja, bastam 257 no plenário. Nessa hipótese, 129
votos já seriam suficientes para colocar o processo do pedido de impeachment em
andamento.
O governo tem perdido quase todas as disputas na Câmara. Uma
votação como essa é muito mais fácil para a oposição do que para o Planalto.
Nessa estratégia, Eduardo Cunha fica preservado num momento
em que está se defendendo da denúncia de envolvimento na Lava Jato (eis a
íntegra da acusação).
A única forma de Eduardo Cunha colaborar de maneira eficaz
com o governo seria não fazendo nada. Teria de não se pronunciar a respeito dos
pedidos de impeachment: não manda para a frente nem arquiva. Ele tem poder para
agir assim. O Regimento Interno da Câmara não fixa prazo para que o presidente
da Casa tome uma decisão quando recebe pedidos de impedimento contra o
presidente da República.
Nos últimos anos, os pedidos que chegam são sempre ignorados
por muito tempo. Depois, são arquivados –por serem ineptos e não terem
fundamentos legais. Isso dificulta a vitória de algum recurso contrário ao
arquivamento e apresentado ao plenário. Só que agora Cunha tomou uma
providência: pediu que a assessoria da Câmara verificasse todos os problemas
formais e perguntou aos autores se desejariam fazer alguma correção. Muitos
fizeram isso.
Na avaliação dos técnicos da Câmara, 2 ou 3 pedidos de
impeachment atendem a todos os requisitos técnicos.
Se Cunha concordar em rapidamente mandar arquivar todos os
pedidos, a oposição escolherá um deles para ser debatido no plenário.
O QUE DIZ O REGIMENTO
O artigo 218 do Regimento Interno da Câmara tem 2 parágrafos
mais relevantes para sustentar essa estratégia da oposição.
O parágrafo 3º diz que “do despacho do presidente que
indeferir o recebimento da denúncia caberá recurso ao plenário”.
Ou seja, quando Cunha rejeitar os pedidos de impeachment e
mandar arquivá-los, a oposição poderá recorrer ao conjunto total dos deputados
da Casa.
Como o parágrafo 3º não especifica como será a votação (fala
só em “recurso ao plenário''), a regra nesses casos é adotar a maioria simples
–o caminho mais fácil para a oposição.
Depois da votação em plenário, se a maioria dos deputados
reverter o arquivamento promovido por Cunha (cenário mais provável na
conjuntura atual), o processo de impeachment começa a tramitar de maneira
irreversível –e muito rápida.
É que o parágrafo 4º do artigo 218 do regimento dos deputados
afirma que “do recebimento da denúncia será notificado o denunciado para
manifestar-se, querendo, no prazo de dez sessões”.
Ou seja, uma vez o plenário –por maioria simples– dizendo que
o pedido de impeachment contra Dilma deve ser analisado, nada mais poderá ser
feito. A presidente teria de apresentar sua defesa a uma comissão especial, que
daria seu parecer em até 5 sessões. É um processo sumário e muito rápido.
Depois que a comissão apresenta seu parecer, o assunto entra
na “ordem do dia” da Câmara em 48 horas. Eis o artigo que trata de impeachment
no Regimento Interno da Câmara (clique na imagem para ampliar):
No plenário, quando o impeachment vai de fato ser apreciado,
o cenário é mais difícil para a oposição. São necessários 342 votos: dois
terços dos votos dos 513 deputados para que a presidente da República seja
impedida –afastada do cargo até que o Senado julgue o processo em definitivo.
A decisão no plenário da Câmara, segundo o regimento da Casa,
é “por votação nominal, pelo processo de chamada de deputados”. Trata-se do
sistema no qual o congressista é chamado pelo nome, caminha até o microfone,
faz um minidiscurso e declina o seu voto. Tudo transmitido ao vivo pelas TVs. É
o momento da glória para os políticos interessados em autopromoção, fazer
populismo e pensar muito mais em si próprios do que no país.
O QUE PODE DAR ERRADO PARA A OPOSIÇÃO
Eduardo Cunha pode se recusar a entrar nessa estratégia. Ele
tem sido ambíguo nas suas conversas com deputados de oposição. Tudo está nas
mãos do presidente da Câmara.
COMO O GOVERNO PODE REAGIR
Se Cunha aceitar arquivar os pedidos, permitindo o
questionamento em plenário, será necessária uma manobra muito grande para
impedir a instalação da comissão especial que analisará o tema.
O governo hoje mal consegue indicar seus deputados para
integrar o comando de CPIs relevantes como a do BNDES e dos fundos de pensão.
Não há, no momento, energia no Planalto capaz de manobrar para impedir a
instalação de uma comissão especial.
A esperança do governo é o Supremo Tribunal Federal. Haveria
uma disposição do STF para barrar a progressão de um processo de impeachment,
por considerar que não existe o fato concreto que configure o “crime de
responsabilidade'' de Dilma Rousseff. Seria uma saída para o Planalto, mas com
desgaste político gigantesco: 2 Poderes da República (Legislativo e Judiciário)
teriam de duelar em público.
Tudo considerado, é claro que ainda continua intangível essa
hipótese de prosperar um processo de impeachment. Só que continua a existir
disposição entre os oposicionistas. A popularidade presidencial segue no chão.
A recessão econômica entra na sua fase mais dramática neste 2º semestre de
2015. E Eduardo Cunha é dado a estratégias heterodoxas (pode aceitar a
“bruxaria'' do arquivamento dos pedidos de impeachment).
Se o plano da oposição seguir em frente, mesmo que o
impeachment não venha, haverá enorme desgaste do Planalto. A administração
federal petista terá de suar até debelar por completo o problema. Gastará
energia vital que poderia ser usada para tentar recuperar a economia, fazer o
país andar e melhorar a conjuntura geral. Mas tudo isso teria de ser adiado
porque a prioridade número 1 será salvar Dilma Rousseff e mantê-la na cadeira.
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